“Adalgiza era um curioso tipo dessa categoria de meninas a que a gíria das calçadas e das casas de chá do Rio chama “melindrosa”. Linda, sem ser um modelo de beleza, de estatura regular num meio em que a maioria fica abaixo da média, corpo rijo e bem conformado, tinha mais de uma perfeição física – os olhos castanhos, sombreados por extensas pestanas que lhes não velavam o brilho, um narizinho de menina travessa, levemente arrebitado, cuja petulância atraía e fazia medo ao mesmo tempo.
Arranjara um fumaça de instrução, que lhe levaram à casa os melhores professores da terra, tocava piano como toda menina que tem piano, e odiava cozinha pelo cuidado que lhe mereciam as mãos, de pele muito fina e unhas em ponta, que ela tratava, esfregava, polia durante uma boa meia hora diária, antes do almoço.
Mas sua principal distinção, a que a maior número de admiradores lhe conquistara era a dança. Nos bailes de casas amigas, nos do Natal Clube ou nos famosos maxixes políticos do “Carlos Gomes”, ela figurava entre as mais espevitadas dançarinas de tango e de todas as palhaçadas de nomes anglo-saxônios, cujos requebros e tremeliques, mais ou menos obnóxios, conhecia como profissional.
Desnudada por uns vestidinhos de dois metros de finíssima fazenda batizada em francês, que exasperavam o pobre Azevedo, não pelo preço de arrancar couro, mas por não exercerem com eficácia, ao menos mediana, a principal função do indumento, ela era para certos pares, provavelmente sem intenção, uma perigosa allumeuse. E a inconsciência com que assentia em transformar a dança numa lida de borboletas sobre corolas de flores, só podia ser ingenuidade, porque não seria justo, na sua idade e estado, procurar outra explicação.
Por esta particularidade, que a sua beleza tanto realçava, era muito solicitada, sobretudo por dançadores desprovidos de escrúpulos ou carecidos de estímulos" (FEITOSA, 2003, p. 24-25).
Um romance surpreendente!
Aqueles leitores que gostam de personagens femininas transgressoras certamente irão gostar!